FAMED e Sta. Casa 1950-70
A Faculdade de Medicina de Porto Alegre e a Santa Casa de Misericórdia: décadas de 1950-70 - memórias, influências e perspectivas - I
Nesta parte serão resumidas as vivências enquanto ainda na Santa Casa - até 1972.
Palestra proferida pelo Professor Aloyzio Cechella Achutti no Centro Histórico e Cultural da Santa Casa em 09 de abril de 2019.
Aloyzio C. Achutti. Médico aposentado da Santa Casa e professor da Faculdade, dedicado à Medicina Interna, Cardiologia e Epidemiologia, abordando influências recebidas neste período e os marcos que fundamentaram sua profissão, sinalizando perspectivas ao futuro do exercício da medicina.
O convite para este encontro, além de ser uma honra é uma oportunidade de reencontrar e companheiros - presencial ou através da mídia facilitando-nos prazerosas trocas a nível mental. Também encontro comigo mesmo numa excursão ao passado - tentando remontar cenários não mais existentes, mas que permitem delinear uma trajetória, buscar explicações e, quem sabe, sugestões para novos tempos…
Deliberadamente - com intenção de deixar claro me considerar como mais um personagem no conjunto de um enorme “cast” impossível de listar por inteiro. Pretendo citar alguns nomes de companheiros, consciente de inevitáveis omissões (peço desculpas e ajudem me corrigir). Muitos nomes importantes, não conseguirei recuperar mesmo imaginando que muitos provavelmente tiveram influência mas me ficaram desconhecidos.
Tentarei dar um toque de cronologia, mas não haverá outro jeito, senão fazer uma seleção entre memórias emergentes.
Pretendo também postar algo no Blog AMICOR (http://amicor.blogspot.com), as imagens, os textos, as dúvidas e os questionamentos. Com a cooperação dos interessados poderemos chegar a um resultado melhor acabado e quem sabe de maior utilidade.
Para quem não me conhece: estou aposentado da faculdade há mais de vinte anos, onde ingressei em 1953. Embora não sendo epidemiologista, desde muito cedo me apaixonei pela perspectiva populacional, e com esta ótica tenho tentado compreender minha profissão e o mundo.
Falando em paixão, devo dizer também ser casado com uma colega, Dra. Valderês Antonietta Robinson que me trouxe para a medicina. Temos três filhos (uma psiquiatra) e quatro netos (um estudante de medicina).
(imagem só texto, suprimida)
Minha intenção é de oferecer um retrospecto, ainda com um sabor de projetos daquele tempo em que estive às voltas com nossa Faculdade de Medicina da Universidade ainda sem um F em seu nome (URGS) e da Santa Casa, também ainda de Misericórdia.
Sentiam-se já ares de inovação, mas minha formação inicial era bem tradicional, voltada para a assistência individual de pacientes enfermos, em geral em fase avançada de suas doenças. Também na época procurava-se um nicho, principalmente através da especialização ou superespecialização, em geral focada num órgão ou sistema e com grupo etário e gênero, bem definidos.
Depois de 20 anos, entretanto tomei novos rumos, surfando numa onda que vinha se formando (não fui eu o autor da marola, mas aproveitei a oportunidade para agitar ainda mais). Tentei também fazer uma ponte (resquícios de minha ideia inicial de ser engenheiro) entre a prática clínica tradicional e a saúde pública.
A perspectiva mais ampla, baseada em políticas públicas, embora a muito tempo enunciada, só mais recentemente vem sendo lentamente valorizada, embora ainda pouco incorporada à prática clínica. Não aprendemos a lidar com indivíduos inseridos e amarrados inexoravelmente às suas famílias, seus companheiros e circunstantes, suas histórias, suas decisões muito menos racionais do que emocionais, estruturadas em arquétipos, e coletivas.
Aliás, as frustrações e a desproporção entre o poder da ciência e a sua realização, entre a eficácia e a efetividade, me prece, vem justamente da falta desta visão que termina por restringir a capacidade de intervenção, particularmente na raiz dos problemas, na origem da rede causal, externa ao setor saúde.
Tentei listar descobertas mais impressionantes, organizar cronologicamente, mas não cabem 70 anos dentro de 45 minutos ou poucas páginas, mas nem foi para isto que vocês vieram me ouvir ou estão me lendo....
Por fim, pensei em lhes apresentar alguns marcos, sempre que possível com as pessoas que me propiciaram a oportunidade de conhecê-los, contando algumas histórias relacionadas
Projetos e retrospectos.
Minha percepção: momentos marcantes.
Concentração em cardiologia, medicina interna, epidemiologia e saúde pública. Etiopatogenia, investigação, tratamento, prevenção doenças, promoção saúde, recuperação.
Assistência, comportamento, política e compaixão.
Família, amigos e clientes.
Com paciência e ajuda de vocês, podemos continuar, corrigir e complementar.
A imagem recorrente enquanto fazia o retrospecto: momentos em que dá para perceber nítidas mudanças de rumo, o encontro de ondas que dirigiam esses novos rumos e sobre as quais surfei (eu não teria segurança, criatividade suficiente, nem força para tanto. Também uma insistência (provavelmente do engenheiro frustrado…) em juntar partes, tentar reconstruir, buscar possíveis conexões e comunicação, enquanto na medicina a tendência era de olhar cada vez mais em profundidade, em direção ao microcosmo…
(imagem)
Não sei se poderá ajudar, mas tentei reunir numa única imagem (espaço) um mínimo de cronologia (tempo). A intenção era de colocar tudo numa moldura de setenta anos, tentando compreender e interpretar caminho trilhado, buscando sugestões e novas perspectivas.
Como nosso foco cobre aproximadamente setenta anos, para ter uma ideia do que significa, lembrei-me que uma geração costuma ser medida por um espaço em torno de 30 anos, o que significa estarmos lidando com duas gerações na interpretação das transformações...
In population biology and demography, the generation time is the average time between two consecutive generations in the lineages of a population. In human populations, the generation time typically ranges from 22 to 33 years.[1] Historians sometimes use this to date events, by converting generations into years to obtain rough estimates of time. https://en.wikipedia.org/wiki/Generation_time
Resumindo: foi em 1951 minha opção por medicina e me formei em 1958 (60 anos).
Em 1960-61 dois anos de Residência Médica no Serviço da Cátedra de Terapêutica Clínica do Professor Eduardo Zaccaro Faraco (Alegretense, formado em 1939, com
pós-graduação nos EEUU, na Cornell University), na Enfermaria 38o. No 6o. andar do Pavilhão Cristo Redentor da Santa Casa.
De 1961-65 Cardiologista da Equipe de Cirurgia Cardíaca com Cid Nogueira na Enfermaria 30, no 5o, andar do mesmo pavilhão.
Minha formação estava voltada para Medicina Interna e Cardiologia com uma forte dose de Cardiologia Pediátrica, especialidade inexistente na época.
De 1965 a 1987 Professor da Faculdade de Medicina com um intervalo de 17 anos de licença por ter função de chefia na Secretaria da Saúde, período no qual fui professor da PUCRS.
Em 1965, juntamente com Dra. Valderês fizemos concurso para Médico do Estado.
Em 1972 criei o Serviço de Doenças Cardiovasculares e depois de Doenças Crônicas da Secretaria da Saúde e do Meio Ambiente do Estado, onde trabalhei com uma bela equipe - entre os quais desde já cito Maria Inês Reinert Azambuja, Sérgio Luiz Bassanesi, Ana Maria Medeiros, Maria Helena Englert Rosito, Moacyr Scliar, e muitos outros.
Em 1978 com Eduardo de Azeredo Costa, epidemiologista, com formação em Londres com Dr. Geoffrey Rose, inquérito populacional sobre Pressão Arterial na População Adulta (20-74 anos) do Rio Grande do Sul. Maior estudo populacional sobre o tema realizado até então abaixo do equador.
Em 1987-1995 ao retornar à Faculdade de Medicina, por ter me aposentado na SSMA, fui professor de uma disciplina que criamos no início do curso: Promoção e Proteção da Saúde III com ênfase no adulto, englobando o idoso.
Desde 1997 venho mantendo uma página na Internet com nome de AMICOR. Desde 2004, quando surgiu o formato Blog, está disponível com postagens dos temas que julgo de interesse para guardar e compartilhar com amigos.
Também trabalhei como consultor temporário por várias vezes para o Ministério da Saúde, a Organização Pan-Americana da Saúde, a Organização Mundial da Saúde, o Banco Mundial, e Departamento de Serviços e Recursos de Saúde dos EEUU.
Também participei da direção de diversas entidades da área da Saúde: Associação Médica do RS, Conselho Regional de Medicina, Sindicato Médico, Sociedade de Cardiologia do RS, Sociedade Brasileira de Cardiologia, Federação Mundial de Cardiologia e Academia Sul-Riograndense de Medicina (emérito).
Recebi com o grupo de meus colaboradores o primeiro Prêmio Nacional de Saúde Pública. O Prêmio Mundial de Cardiologia no Congresso Mundial de Sidney, pelo 30 anos de trabalho Na Prevenção da Febre Reumática. Outros que não cabe aqui listar.
Tenho participado, mesmo depois da aposentado, com a universidade no Departamento de Medicina Social no Grupo de Trabalho sobre Saúde Urbana, Ambiente e Desigualdade, juntamente com Maria Inês Reinert Azambuja, Roger do Santos e vários outros companheiros.
Nasci em Santa Maria - Frequentei a Faculdade de Medicina da URGS (1953-58). Casei (1957) com uma Caxiense - Dra Valderês Antonietta Robinson - também médica, formada dois anos depois de mim (1960).
Com 60 anos de formado, reconheço que se não tivesse me apaixonado, teria me formado um ano antes, em Engenharia, mas, graças a ela, estou aqui hoje contando essas histórias.
Ela dizia que desde o 3o. ano ginasial decidira ser médica. Eu estava no 2o. ano do Científico quando ela apareceu em minha vida.
Antes de entrar no que selecionei, preparei uma pequena digressão para colocar minha família no contexto. Ela e eu, somos descendentes da 5a geração de imigrantes germânicos (1828 e 1870) e de 3a geração de italianos (1870-1880)
Eu tinha forte motivação para estudar medicina pois meu pai era farmacêutico (nascido em 1898, coincidentemente no ano da fundação de nossa Faculdade de Medicina, por um grupo de farmacêuticos junto com um médico Protásio Alves. Um dos farmacêuticos era nosso conterrâneo - João Daudt Filho.)
Minha irmã Maria Helena também é farmacêutica. Dois tios maternos médicos no interior Nilo Cechella e Ary Cechella. Minha bisavó materna - Maria Luiza Link Cechella (na imagem comigo no colo) - era parteira famosa em Santa Maria,
; e teria partejado todos os médicos da família Marsiaij e da família de Ernesto Beck (uma delas foi esposa do Professor Eliseu Paglioli, reitor da Universidade)
Hoje temos uma filha psiquiatra e um neto estudando medicina, além de vários primos engajados na área da saúde.
Estendendo a ideia da ascendência germânica vale contar que vivi os 3 primeiros anos da segunda guerra mundial em Agudo, colônia Alemã, onde meu pai teve uma farmácia.
Lembro de ficar brincando muito tempo no laboratório e atrás do balcão, primeriamente em Agudo e depois em Santa Maria na Farmácia da Faculdade, locais onde meu pai aviava as receitas médicas e atendia a clientela. Frequentemente pessoas vinham diretamente falar com ele, mesmo antes de procurar o médico.
Na biblioteca de meu pai figuravam com destaque formulários (em geral em francês. Lembro do Astié) e cadernetas com anotações de fórmulas, não somente remédios mas de outros produtos de transformação (bebida, pólvora, tinturas, etc...). Guardei a lembrança de meu pai como de um curioso que gostava de saber, descobrir e consertar tudo que podia.
No caminho de nosso assunto principal, lembrei do período de preparação para o exame vestibular que naquela época era bem diferente: questões discursivas nas provas escritas e os exames orais eram respondidos de pé, frente aqueles púlpitos pretos em cima de tablado mais elevado, onde sentavam três professores para nos inquirir.
Quando vim para o vestibular, hospedei-me na Casa da JUC no. 1, na Vigário José Ignácio, frente ao Colégio dos Anjos. Lá encontrei vários colegas, alguns de Santa Maria e que não vivem mais, como o Ermelindo Cauduro, e outros novos como Loreno Brentano três anos na minha frente, e que namorava uma colega da Valderês da Escola Santíssima Trindade de Cruz Alta, a Eloisa Martins que depois também estudou Medicina. Alcides de Césero, anestesista que foi meu colega de turma e morreu precocemente. Mais outros que vou tentar lembrar
Introduzindo uma das ideias que aprendi a valorizar, a do Estresse, lembrei-me destes dois livros, lidos neste período sem me ocupar com matérias dos exames. Ajudaram-me e me distrair e relaxar. A 25a. Quinta Hora de Virgil Georghiu e o Admirável Mundo Novo do Aldous Huxley que estavam de moda na época, e meus colegas me emprestaram.
Quando nossa faculdade celebrou seu centenário escrevi um artigo para o quarto volume de uma série com o título “Médicos (pr)escrevem, editado pelos colegas Blau Souza, Fernando Neubarth (deu-me a honra de assistir minha apresentação) e Franklin Cunha. O artigo contém alguns detalhes sobre experiência com a faculdade que podem ser acessados no link (https://amicorextension.blogspot.com/2012/10/medicina-da-urgs.html), dos quais destaco três parágrafos:
O primeiro já mesclava a Faculdade com a Santa Casa, já que a anatomia tinha sede no Instituto Anatômico da Santa Casa, em seus fundos junto à praça Argentina.
O segundo expressa um sentimento que ainda me move hoje - mais de vinte anos passados - da ponte entre experiências que me levaram a escolher o caminho seguido e procurar novas explicações para o mundo em que vivemos.
O terceiro se relaciona com a reação ao caminho inicial que nos levava ao microcosmo, estimulando-nos a desmontar tudo, analisar, perdendo a visão do todo, da população do cenário onde a vida acontece e das relações com o que está fora do foco individual e superespecializado.
Na sequência há algo que aconteceu em 1955 quando estava no terceiro ano da Faculdade e minha quase noiva recém ingressara na “Casa de Sarmento”. Eu não tinha emprego e era sustentado por minha família, mas ela era professora primária - casualmente num Grupo Escolar da Vila Floresta, com o nome do patrono da faculdade Sarmento Leite. Pretendíamos casar, e eu precisava ter um trabalho fixo, pois, um provisório de secretário, somente deu para comprar as alianças...Uma colega de turma dela Rosvita Pierre, que casou com um colega de turma (também Santa-mariense) Paulo Bersh, era filha do delegado de polícia da primeira Delegacia, Dr. Rodolpho Pierre. Querendo ajudar a colega, conseguiu com seu pai uma indicação para que eu trabalhasse na Guarda Civil, como auxiliar de médico.
Isso tem a ver com minha iniciação na Função Pública, de onde consegui desenvolver muito do que pretendo contar mais adiante. Também foi minha primeira experiência extracurricular e desvinculada da Faculdade e da Santa Casa, o que era muito comum naquele tempo. Muitos “encostavam-se” em médicos mais experientes - da família ou não - ou iam para o interior, principalmente em período de férias, substituir profissionais que desejavam se ausentar temporariamente de suas clínicas. Havia inclusive na portaria da Santa Casa um quadro para afixar anúncios de médicos do interior oferecendo tais vagas.
Na Guarda Civil fiz dois concursos e fui promovido de classe e permaneci até fazer concurso para médico, depois de formado (1961), incorporando este período de função para poder me aposentar com 35 anos de serviço público.
Lá conheci outros médicos que não eram professores, ou da Santa Casa: Carlos Bento (tisiólogo afamado era o Diretor do Departamento de Assistência Médica e Social da Guarda Civil). Carlos Maria Mostardeiro Pabst, casualmente tio do Germano Bonow posteriormente Secretário da Saúde e do Meio Ambiente, com quem trabalhei anos mais tarde. Couto Barcellos que chefiava o laboratório de análises clínicas. Lá tive uma experiência diferente da que o currículo me propiciava: atendimento ambulatorial de homens (especialmente venerologia) e atendimento domiciliar.
Tentando contextualizar minhas histórias, juntei alguns fatos contemporâneos a partir de 1948, ano do cinquentenário da Faculdade, eu ainda vivendo em Santa Maria no curso secundário. Nessa época também a Oficina Sanitária Pan-Americana foi incorporada à Organização Mundial da Saúde, como Organização Pan-Americana da Saúde, com a qual tive estreita colaboração durante vários anos.
Pode ser que ajude a compreender um pouco de minha atividade internacional posterior o fato de eu ter sonhado em seguir a carreira diplomática, aparentemente motivado por ter solicitado e recebido uma publicação com a carta da ONU cuja propaganda eu devo ter encontrado não lembro mais onde. É possível que tenha sido reação à minha ascendência internacional recente (língua materna na casa de meus avós era o alemão, e o italiano) e o resgate das vivências do período de guerra numa colônia alemã…
Nosso Estado contava com uma população de pouco mais de quatro milhões e meio de habitantes e Getúlio Vargas voltou à presidência, suicidando-se em 1954. No início da década de 50 foi criada a Associação Médica do RS e o Conselho Regional de Medicina, e se consolidado a Universidade do RS, ainda não Federalizada. Também como conquistas na área da saúde: a valorização da reidratação com eletrólitos por via oral e venosa, cultura in vitro de tecidos, Clorpromazina e Terramicina, Flúor na prevenção da cárie dental, a pílula como controle da fertilidade, Isoniazida para tuberculose, desenvolvimento de marca-passo cardíaco externo, início pesquisas de Doll e Hill. Em 1953 quando eu já estava no primeiro ano: Cirurgia cardíaca com coração aberto, vacina contra pólio por Salk, descrição do DNA e HLA.
Em 1957 quando estava cursando o 5o. ano, meu primeiro contato com a Cátedra de Terapêutica Clínica, nos casamos no meio do ano. Valderês estava no 3o. Ano da faculdade e continuava como professora Estadual até ficar grávida de nosso primeiro filho.
(imagem)
1957 foi o ano de meu primeiro contato com a Enfermaria 38o. Onde funcionava o serviço do Professor Eduardo Záccaro Faraco, no 6o. Andar do Pavilhão Cristo Redentor.
Assistentes: Flávio Maciel de Freitas, Normélio Nedel, Jorge Pereira Lima, Carlos Grossman, Arno Burchard, Adão Gonzaga do Valle Mattos, Maurício Seligman, Nathan Roitman, Walter Zelmanowitz, Jaime Zaduchliver, Décio Faraco de Azevedo (alguns deles incorporados ao serviço nos anos seguintes)
Funcionários: Olga Dorfman, Deodato, Doris Heguedüs, Jaime Jeffman, Neusa Petersen, Edith Pfeifer, Terezinha Vieira, Donata Mallmann,
Enfermeira chefe: Imã Ozita |(falecida num trágico acidente de automóvel).
No ano seguinte, iniciou-se uma nova experiência, chamada Internato que não deixava de ser uma antecipação da Residência Médica, onde os internos acompanhavam pacientes internados no tempo que não tinham outras atividades curriculares.
Professores Eduardo Zaccaro Faraco+, Jorge Pereira Lima+, Arno Burchardt+
Vera Molz+, Ernani Cardoso+ Semíramis Tanhauser+, Flory Guedes+, Fr4ederico Kliemann+, Catharina Russel+, Antônio Ludwig, Ernani Pedone+, Eduardo Monmany+, Vinicius Cieri+, Sérgio Niederauer, Iseu Gus+, Anésio Picinini,+ Tarso Niederauer+, Alopyzio Achutti, Pedro Toaldo+, Haroldo Paiva+, Ângelo Aguiar+, Pauo Barbosa+, Paulo Soares+, Mário Cesa+, Telmo Weber+, Otto Busato+, José Torres+
Tínhamos prontuário estruturado, evolução do paciente, e discussões de casos. Laboratório de análises clínicas para exames básicos no próprio serviço, radioscopia, depois laboratório de hemodinâmica, inicialmente com possibilidades de fazer curvas de corante, oximetria e medidas de pressões. Recebemos um monitor eletrônico (com válvulas, pois ainda não existiam os transistores) e registro em papel fotográfico que precisava ser revelado em câmara escura. A máquina era mais alta do que eu e foi apelidada de “golias”. Quando iniciou a cirurgia cardíaca, desceu para o quinto andar e ficou no bloco cirúrgico, e eu o manejava para os controles do transoperatório. Até eletroencefalograma conseguíamos registrar. Em seguida recebemos intensificador de imagem que reduzia o risco de radiação.
Aprendi que a investigação básica cardiovascular - e aplicávamos nos pacientes do Ambulatório Cardiopulmonar - se constituía de: história clínica, exame objetivo (com ausculta é óbvio) eletrocardiograma e radioscopia.
Turma de formandos com Rubens Maciel de Paraninfo, Eliseu Paglioli de Reitor (ele havia sido o paraninfo da turma de 1938, do Rubens Maciel, e um filho seu Eduardo Beck Paglioli formou-se em nossa turma).
Lista dos formandos
Abrahão Waldman, Acemar Dorneles de Freitas, Alcides de Cesero, Aloyzio Cechella Achutti, Anésio Edwino Picinini, Angelo Artur Gianoti, Angelo Jesus Peres Vieira, Ângelo Oliveira Aguiar, Antonio Beux, Antonio Eduardo Ludwig, Bernardo Turkenitch, Carlos Antonio Lino, Carlos Machado Fehlberg, Carlos Naum Salim, Carlos Teitelbaum Knijnik, Catharina Russel, Cleber Bandarra Silveira, Decio Westphalen Ardenghi, Demosthenes Jacob Khun Pinto, Dirceu Roberto Renck, Edson Medeiros, Edison Lima Ávila, Eduardo Beck Paglioli, Eduardo á Monmany, Ernani Fontoura Cardoso, Ernani Lopes Pedone, Fernando Ferreira Bernd, Flavio Arthur Sassen, Flávio Costa Leite, Flory Correa Guedes, Frederico Arthur Dahne Kliemann, Gabriel Niemeyer da Silva Lima, Germano Vollmer Filho, Guido Molinari Rojas, Haroldo Diez Paiva, Hilberto Corrêa de Almeida, Iseu Gus, Jacó Chachamovich, Jacob Angelo Manfro, Jayme Guilherme Muratore, João Adolfo Leite Martins, João Claudio Ribeiro Marchiori, João Mendes da Silva, João Miguel da Conceição, José Almeida Torres, José Barcellos Garcia, José Carlos Pereira de Souza, José Carlos Salgado de Abreu, José Eugênio Rache Souto, José Freitas de Oliveira, José Isidoro Peirano Maciel, Josef Finkelstein, Luiz Sperb Lemos, Mariano Pinheiro Machado, Mário Benito Cesa, Mário Bertoni, Mario Vilanova Seixas, Miguel Levin Piltcher, Natalino Marcon, Nilo Affonso Milano Galvão, Noé Zamel, Olenka Maria Sobczak, Olympio José Giudice de Castro, Oneu Prati Molina, Otto Clementino Busato, Paulo Antônio Soares, Paulo Rosendo Barbosa, Pedro Toaldo, Raul de Freitas Ribeiro, Raul Fernando Leggerini Pereira, Ruy Olivo Camaratta, Renan Groth, Rubem Nelson Keller, Rudolf Lang, Ruy Olivio Camaratta, Samuel Sukster, Semiramis Lehemann Tanhauser, Sergio Augusto Bicca Niederauer, Tarso Henrique Bicca Niederauer, Telmo Marques Weber, Telvino Antonio Michelon, Therezinha de Jesus Rodrigues Diniz, Theodomiro Cezar Freitas Xavier, Tufi Haider, Valmir Jorge Teixeira de Mendonça, Valter José Aíta, Vera Maria Molz, Victorio Carlos Marsiglia, Vinicius Cieri.
Turma de 1958. Os nomes em negrito são de colegas com os quais tenho me comunicado. Do restante não tenho notícia se seguem conosco por aqui. Alguns, em itálico soube que faleceram.(imagem)
1958, ano de minha formatura, a Faculdade estava fazendo 110 anos. Foi o ano da inauguração da estátua do Laçador símbolo do RS. Foi o ano também da publicação da pesquisa de Richard Doll com impacto internacional, sobre médicos ingleses fumantes e não fumantes.
Menos de um mês de minha formatura nasceu nosso primeiro filho Luiz Eduardo Robinson Achutti, hoje professor da UFRGS do Instituto de Artes.
Durante aquele ano fiquei aguardando a concretização do convênio da URGS com a Kellogg Foundation, para iniciar a Residência Médica na Enfermaria 38 (conforme me consta foi a segunda do país). Trabalhava na Guarda Civil e frequentava o Serviço do Professor Faraco, passando por uma reforma estrutural, grande parte do tempo sem pacientes internados. Aproveitei para treinar interpretação de eletrocardiograma e atender o ambulatório. Nesse início de ano tive Mononucleose Infecciosa, cujo diagnóstico demorou para se fazer, mas me sentia muito mal, tinha febre alta, com adenopatias e esplenomegalia, e leucócitos atípicos no sangue. Até que o diagnóstico se firmasse, recebemos visitas até do Faraco, do Grossman e do Arno, consternados pela potencial viúva, com nenê novo e um marido recém formado, promissor, mas com prognóstico muito reservado..
Em 1961 se iniciou o Programa de Residência Médica e eu fui escolhido como Residente Chefe. Metade dos residentes, em rodízio passavam pela Enfermaria 2a. De Clínica de mulheres no 4o. andar do mesmo pavilhão.
Acho que éramos seis residentes em cada ano e vou me esforçar para lembrá-los, pois confundo os dois períodos.
Gunther von Eye que se formou em 1959, ficou comigo dois períodos, Walter Aita (santa-mariense) falecido precocemente, Altair Mason depois médico em Osório durante muitos anos (morreu tragicamente). Bruno Palombini (formado em 1959, falecido) foi pneumologista conceituado, Alcívia Lozza Palombini, casada com o Bruno, também santa-mariense, Céo Paranhos de Lima também formada em 1959 dedicou-se à Cardiologia Pediátrica e trabalhamos juntos, José Hanauer, depois médico em Novo Hamburgo; Gessy Winkler da Costa (1959), Valderês Antonietta Robinson (Caxiense, formada em 1960, casada comigo), e Aloyzio Achutti (eu, santa-mariense, formado em 1958, fui escolhido como Residente Chefe nos dois anos). Tenho dúvida sobre dois nomes: Adão Christiano Kauer, Honório Porto Castro.
Nesse período surgiu a Internet que mudou o mundo
Valderês ficou grávida de nossa segunda filha Ana Lúcia - hoje Psiquiatra - que nasceu no fim de 1961 e a mãe trabalhou até a véspera do parto.
Também em 1961 se iniciou de maneira regular a Cirurgia Cardíaca na Enfermaria 30 inicialmente com Professor José Hilário que viera do Rio e fizera concurso para cátedra, mas não durou muito, tendo sido substituído pelo Dr. Cid Nogueira que ficou até 1965. São tantos detalhes desse período que mereceriam um tratamento específico.
Em 1963, ano quando se iniciou a experiência comunitária, na Vila São José do Murialdo, depois assumida pelo Ellis D’Arrigo Busnello. Também entrei para o corpo docente da Faculdade, designado como auxiliar de ensino para o Departamento de Cirurgia devido a minha atividade com a equipe de cirurgia cardíaca, mas o Professor Faraco não gostou, com a possibilidade de perder o controle sobre mim, e fez reverter a nomeação, passando-me para sua Cátedra.
Em 1964 aconteceu o golpe Militar. Também neste ano foi editado nos EEUU o primeiro “Surgeon General Report” sobre o tabagismo (Terry) e no mesmo período primeiras experiências com revascularização do miocárdio e transplante cardíaco.
Também em 1967, no dia Mundial da Saúde (que ainda não havia recebido essa designação), nasceu nossa última filha Lúcia Helena.
Dois anos depois de mim, em 1960, formou-se também em Medicina aquela que me levou a decidir sobre a profissão. Ela entrou depois de mim porque havia feito inicialmente o Curso Normal no Santíssima Trindade em Cruz Alta (para ter uma profissão e poder ganhar seu sustento). Naquela época era necessário o Curso Científico para poder entrar na Medicina. Foi trabalhando como professora no Curso Primário do Colégio Sant’Ana em Santa Maria que a conheci. Ao mesmo tempo ela cursou à noite o Científico na Escola Olavo Bilac, em curso que recém havia sido aberto. Ficamos um ano separados enquanto ela terminava o científico e eu estava em Porto Alegre. Nosso convívio já se aproxima dos setenta anos, mas de profissão, somando minha experiência profissional com a dela são 118 anos, e com tanto tempo de a parceria e afeto é impossível separar o que é de um e de outro…
O Sindicato Médico a escolheu, junto com outras médicas e parteiras, para homenagear o papel da mulher na área da saúde.
Um elogio que sempre me envaideceu era quando me chamavam de “ouvido de ouro” pela minha habilidade de utilizar a audição para o diagnóstico cardiológico, principalmente nas crianças e recém-nascidos. Na época não existia ainda a ecocardiografia que veio muito ajudar sem incomodar muito, nem expor a maiores riscos os pacientes. Os pediatras sempre tiveram dificuldade principalmente na distinção entre sopros inocentes e patológicos. Tive ótimas oportunidades de treinamento não somente na Enfermaria 38, no Ambulatório Cardiopulmonar (vários anos sob minha direção) mas também no berçário da Maternidade Mário Totta, na SEFAE da Secretaria de Educação (onde fui trabalhar logo que passei no concurso para médico do Estado, em substituição ao Professor Faraco que já estava com veleidades para a Reitoria). Também no berçário do Hospital Moinhos de Vento, no Hospital da Criança Conceição e no Hospital Santo Antônio onde criei um Serviço de Cardiologia Pediátrica e depois entreguei-o para a Céo Paranhos de Lima, Daudt e dra Joice Bertoletti.
Coloquei na imagem uma homenagem ao francês do século 18 René Théophile Hyacinthe Laënnec que teria inventado o estetoscópio como instrumento que facilitava a ausculta sem ter que encostar o ouvido no corpo do paciente. Contam que ele ficava muito constrangido de se encostar principalmente no peito das damas muito fornidas…
Nos meus primeiros tempos ainda se usava a ausculta direta e para isso, principalmente quando se visitava um paciente em casa, a família costumava deixar uma toalhinha junto ao paciente e sabonete novo na pia do banheiro…
Uma vez escrevi um artigo “Para que toalhinha?” publicado na Zero Hora.
(Foto tirada por meu pai Bortolo Achutti, visitando-nos em Porto Alegre)
Nossa vivência como cardiologista da equipe de cirurgia cardíaca foi intensa e provavelmente precisaria de um capítulo especial, pelo envolvimento de tempo, trabalho, organização e montagem a partir de zero em técnicas que eram inteiramente inovadoras para nosso meio. Entretanto preciso apresentar aqui alguns elementos por envolver justamente as duas instituições sobre as quais me propus lhes contar algumas histórias.
Antes do Cid Nogueira, Mineiro de Três Corações, rescém chegado dos EEUU, participei apenas de uma única valvulotomia mitral feita pelo Renan Marsiaij de Oliveira que também retornava, e de umas poucas intervenções feitas pelo Professor José Hilário que permaneceu pouco tempo em Porto Alegre, depois de um concurso para a cátedra de cirurgia.
Aliás, acho que tem interesse histórico: eu não assisti, mas atendi uma paciente adulta jovem no Ambulatório da Enfermaria 38 que anos antes, quando o Instituto de Cardiologia ocupava uma casa antiga da avenida João Pessoa, próximo da Faculdade e ao lado da Carris, a paciente sofreu uma tentativa de intervenção cirúrgica frustrada. Era um caso de Síndrome de Eisenmenger - Canal arterial com Hipertensão Pulmonar, cianótica, cujo diagnóstico inicial não fora feito corretamente e sofreu toracotomia com hipótese diagnóstico de se tratar de Estenose Pulmonar valvular , podendo se beneficiar de uma valvulotomia através de uma botoeira feita no tronco da Artéria Pulmonar, sem circulação extracorpórea, inexistente na época.
Como costuma acontecer quando há hipertensão arterial, não existe mais o sopro contínuo do canal, fica somente sistólico e aparece dilatação do tronco da artéria e grande sobrecarga do ventrículo D. Não sei quem eram os cardiologistas da época, mas os cirurgiões eram o Milano e o Tauphic Saadi que devem ter levado um susto ao abrir o tórax e não encontrar nada do que esperavam. É possível que a frustração deste caso tenha motivado a desistência de fazer cirurgia cardíaca em condições precárias.
Com o Cid Nogueira foi que deslanchou a cirurgia de 1961 até 1965. No início eu tinha um registro bastante meticuloso de casos, com ficha clínica estruturada, envelope para guardar os traçados eletrocardiográficos e registro de pressões. Coloquei na imagem o s relatórios dos dois primeiros anos. Estimo que eu tenha participado de aproximadamente mil cirurgias neste período, algumas poucas, com técnica convencional em outros hospitais, mas a imensa maioria na Enfermaria 30a.
Trabalhávamos com entusiasmo por poder oferecer um tratamento que até então não era disponível em nosso meio. Antes dessa época encaminhávamos os pacientes para São Paulo para o Dr. Adauto Barbosa Lima (?) e os pacientes eram operados no Instituto Sábbato D’Ângelo, se não me engano uma fundação sustentada pelo Companhia de Fumos Sinimbu, propriedade do sogro do cirurgião.
Ficávamos muito tempo, sem preocupação de horário ou turno. Dependia da necessidade dos casos que estavam sob nossos cuidados.
Tenho uma historinha que eu sempre conto onde aparece nosso filho Luiz Eduardo, então com três ou quatro anos. Alguém que nos visitava perguntou para ele, onde está teu pai? Ele respondeu: “mudou-se para a Santa Casa”, provavelmente repetindo o que ouvira da mãe.
Já que estou contando histórias da família, existe outra relacionada com nossa filha que recém começava a caminhar (hoje ela é psiquiatra) Ana Lúcia. Caminhando e se penteando, caiu nos degraus que tínhamos nos fundos de casa, provocando um ferimento no supercílio esquerdo. A mãe, assustada a tomou nos braços e a levou onde estávamos, no bloco cirúrgico preparando-nos para uma cirurgia. O Cid, disse logo traga a menina para cá que eu faço a sutura. Perguntei-lhe, como se trata de uma simples sutura, quem sabe pedimos para um auxiliar fazê-la… Ele respondeu de imediato: “Não existem grandes ou pequenas cirurgias, existem pequenos e grandes cirurgiões…” Ficou perfeito, mal se vê um resquício de cicatriz.
(Foto de junho de 1962 de uma reportagem do Correio do Povo sobre as novidades da cirurgia cardíaca em Porto Alegre)
Falando em Correio do povo, pode-se lembrar que um dos auxiliares da equipe de cirurgia era Dr. José Felix Garcia, colega de turma da Valderês e casado com a filha do dono do jornal, Breno Caldas.
Umas poucas histórias a mais, não posso deixar de ao menos enunciar:
Construção da Bomba para circulação extracorpórea
Inicialmente só eram operados pacientes com problema acessível por técnicas chamadas convencionais, sem necessidade de usar circulação extracorpórea, sem necessidade de ter acesso direto (a céu aberto) a estruturas do coração: persistência do canal arterial, anastomose sistêmico-pulmonar em pacientes cianóticos com estenose pulmonar e curto-circuito veno-arterial como Tetralogia de Fallot, estenose mitral, etc…
Cid conseguiu que um faz-tudo daqui - sr. Merk construísse a máquina. Eu o acompanhei algumas vezes à oficina para ver o andamento do projeto. Era constituída basicamente de uma bomba formada por roletes que comprimiam um tubo de teflon impulsionando a coluna de sangue, ligado a um oxigenador que era um grande cilindro de vidro que ficava inclinado, e dentro dele giravam muitos discos corrugados mas super-polidos mergulhados no sangue, levando assim uma lâmina de sangue exposta ao oxigênio alimentado para dentro do cilindro. Era um método que exigia muitos doadores de sangue para funcionar. Hoje usa-se um oxigenador de bolhas e hemo-diluição, exigindo muito menos sangue.
A preparação da máquina era demorada e cuidadosa, tanto para iniciar o processo como depois de utilizada. Era a Ahidê a enfermeira responsável. Os discos eram super-polidos e tinham que ser revestido, juntamente com o cilindro por uma camada de silicone para evitar a coagulação do sangue, além de o paciente ser heparinizado.
Próteses valvulares de teflon
O Cid aprendeu no serviço do Dr. Kiss a fazer artesanalmente próteses de teflon para substituir válvulas aórticas. Lembro-me dele recortando o material e o costurando depois sobre um anel para implantar no paciente, no lugar da válvula doente
Relatividade de critério para indicação cirurgia convencional x sob perfusão
Todos os casos operados eram discutidos previamente no anfiteatro da Enfermaria 38 com a equipe cirúrgica e os cardiologistas do serviço. Várias vezes tivemos problemas com a máquina sem poder utilizá-la alguns dias. Estenose Mitral podia ser operada sem expor a aurícula esquerda, somente fazendo uma botoeira na auriculeta e entrando com o dedo para descolar ou rasgar o tecido da válvula. Lembro-me de discussões com argumentos pró e contr a cirurgia a céu aberto ou não. Dependia muito da disponibilidade da máquina de perfusão...
Caso de Necrose Tubular Aguda por sangue incompatível
Não esqueço os maus momentos e as tentativas desesperadas para salvar um paciente jovem, com menos de trinta anos, com Estenose da Válvula Pulmonar congênita e que, quem sabe poderia ter vivido ainda muito tempo com sua válvula estreitada. A operação foi bem sucedida, mas houve hemólise por ter sangue incompatível de um dos doadores, e teve Necrose Tubular Aguda, ficando com o funcionamento renal bloqueado. Sabe-se que é muitas vezes um processo transitório e o paciente pode se recuperar, mas tem que ser mantido com algum método que substitua seu rim bloqueado durante umas duas semanas. Na época não havia ainda máquina para hemodiálise, mas conversando com Milton Zelmanowitz que dava assistência nefrológica para o Serviço do Professor Faraco, tentamos manter o paciente com Diálise Peritoneal, utilizando a técnica pela primeira vez em nosso meio. Não tínhamos unidade de tratamento intensivo mas montamos o essencial numa das salas da Enfermaria 30a. Compramos uma quantidade grande de líquidos e soluções eletrolíticas e cateteres para fazer uma ou duas vezes por dia uma diálise através da cavidade peritoneal. Ao final da segunda semana o paciente já havia voltado a urinar, mas passando por uma fase de poliúria que não conseguimos manejar adequadamente, provavelmente pela nossa inexperiência
Certamente estivemos sempre expostos a estes riscos e outros mais, sem dispor da infraestrutura necessária para enfrentá-los. Sempre fico a me perguntar se não foi uma atitude temerária iniciar a cirurgia cardíaca naquelas condições…
Felizmente o número de insucessos foi mínimo em comparação com tanta gente que se conseguiu salvar com as cerca de mil cirurgias feitas na época.
Banco de sangue próprio
Não lembro a data, mas deve ter sido pelo terceiro ano que foi montado um banco de sangue próprio no térreo do Pavilhão Cristo Redentor. Um refrigerador apropriado para estocar sangue foi comprado. Para operar adultos com a técnica que se usava era necessário um número muito grande de doadores. Cerca de vinte para um adulto. Chegava-se pela manhã e havia frequentemente um pelotão de soldados que vinham doar.
Primeira implantação de Marca-passo cardíaco
Tivemos um caso de Bloqueio AV (aurículo-ventricular) completo, num adulto (não lembro se chagásico), no qual foi implantado um marcapasso eletrônico - na época de tamanho bem maior do que os hoje disponíveis. Não sei onde o Cid conseguiu o dispositivo, provavelmente o primeiro de nosso Estado.
Cirurgia de pacientes de baixo peso
Não tínhamos máquina de circulação extracorpórea para bebês, mas cirurgias convencionais foram feitas, tinham a ver com minha atividade de cardiologia pediátrica e era uma prática pouco frequente no país. Cirurgias de Blalock-Taussig para cianóticos, ligadura de canal arterial. Reconstrução de coarctação da aorta e bandagem de artéria pulmonar em casos de curto-circuito arterio-venoso de grande volume. Etc…
Hipotermia
Lembro-me de poucos casos em que se usou hipotermia para possibilitar uma temporária parada circulatória. Tínhamos a possibilidade de controlar o traçado eletroencefalográfico em nosso monitor (Golias)
Motivo de interrupção desta fase da cirurgia em Porto Alegre
Muitos pacientes tinham direitos à assistência médica pela previdência social, mas a Santa Casa, nem a Universidade, tinham convênios que permitissem o pagamento das cirurgias e a cobertura da hospitalização e custos de medicamentos e insumos.
Mais adiante ficamos sabendo que o cirurgião, muito criativo e despachado, começou a cobrar honorários com apoio logístico incluir cobrança de outros custos que de outra forma cairiam no vazio. Até o sangue e despesas com a doação até dos militares era computada.
Não sei como acontecia com pacientes privados. Este assunto não se cogitava.
Fui chamado para depor numa comissão de sindicância da Faculdade e, embora nunca tivesse me beneficiado das tais de cobranças e pouco tivesse para informar, foi uma das experiências negativas de minha vida profissional que resultaram na interrupção da cirurgia cardíaca na Santa Casa que somente foi reiniciada anos depois no Instituto de Cardiologia e no Hospital Lazzarotto.
Período desde o fim da Cirurgia Cardíaca até 1972.
Tenho anotado a data de 01/08/1965 como de minha demissão da Equipe de Cirurgia Cardíaca. Nessa época eu já estava trabalhando no Instituto de Cardiologia, onde criei um Ambulatório de Cardiologia Pediátrica e fazíamos todas as quintas de manhã uma reunião de discussão de casos com todo o grupo e alunos estagiários, revendo casos novos da semana e alguns com aspectos especiais. Também desde o início do ano havia criado um ambulatório de cardiologia no Hospital da Criança Santo Antônio que pertencia à Santa Casa de Misericórdia, mas estava localizado distante, na Avenida Ceará.
Ainda em 1965, novembro fiquei membro da Comissão Científica da AMRIGS, coordenada pelo Professor Mário Riggatto, a quem substituí quando de seu afastamento, e participava ativamente de suas ações com vistas no controle do tabagismo.
Em 05 de julho de 1966 Valderês passou a trabalhar também como médica da Secretaria da Saúde e Meio Ambiente, no Instituto de Cardiologia.
Em 1967 Renê Favaloro - cirurgião Argentino, trabalhando nos EEUU realizaou a primeira cirurgia de Revascularização Miocárdica. Na época de nossa atividade na Cirurgia Cardíaca na Santa Casa, com o Cid Nogueira, não se conhecia ainda esta técnica, e não se operou nenhum caso de cardiopatia isquêmica, eram todos de lesões valvulares reumáticas ou não, malformações congênitas e pericardectomias. Em 3 de dezembro do mesmo ano foi feito o primeiro transplante cardíaco na África do Sul, pelo Dr. Barnard.
Ainda no mesmo ano em julho tive desavença com o Professor Faraco, e troca de correspondências agressivas em que eu colocava meu cargo à disposição. Se não me engano o pretexto da disputa relacionava-se com sanções que o diretor de serviço pretendia impor ao Dr. Carlos Grossman, e eu achei injustas.
De 1968 a 1971 eu substituí Mario Rigatto na Comissão Científica da AMRIGS e era Vice-presidente da Sociedade de Cardiologia do RS. Também em 1968 fiz o Curso de Extensão em Genética Humana, com Professor Salzano, e recebi o título de Especialista em Cardiologia pela AMB e SBC.
Somente em 1969 foi feita a primeira cirurgia de revascularização miocárdica no Brasil em São Paulo e no Rio de Janeiro, se não me engano por Zerbini e Jazzbik.
Em 1971, enquanto eu era diretor científico, aconteceu o primeiro exame AMRIGS de cuja discussão participei, e era coordenado inicialmente pelo Professor José Martins Job.
Ao falar no Professor Job, acho que vale relembrar um feito seu, que não tem sido relembrado. Eu estava presente em sua defesa de tese para a Cátedra de Gastroenterologia, na última sala (lotada) do primeiro andar do prédio antigo da Faculdade que dava para o prédio do Instituto de Química. Versava sobre uma pesquisa que pretendia investigar o diagnóstico de câncer do estômago, através do uso de isótopo radioativo. O resultado da pesquisa resultou negativo, não servia o exame para chegar a um diagnóstico, e a banca criticou-o duramente pelo “insucesso” e, parecia que iriam desclassificá-lo.
Em sua defesa ele contou uma parábola na qual se dizia que em um oásis, no meio de um deserto, havia uma flor miraculosa com a qual muitos sonhavam. Pois um aventureiro atravessou o deserto e chegando no local verificou que era um mito, e que a flor não existia. Voltou para a cidade contando o que não encontrara e evitando que muitos tentassem o mesmo caminho sem sucesso. E ele foi aprovado.
Vou deixar as memórias do ano 1972 para a segunda parte deste relato. Foi um ano muito crítico e rico, de meu afastamento temporário da Faculdade de Medicina da URGS, e do início de uma nova longa caminhada, oportunidade também de intensa colaboração internacional.
São memórias de mais quarenta anos, quando embora afastado da Santa Casa e, por algum tempo também da Faculdade, a base de tudo esteve sempre neste período inicial. Em minha apresentação no Centro Histórico e Cultural da Santa Casa só consegui fazê-lo “en passant” mas pretendo ser mais interpretativo, fazendo uma crítica global, fazendo ilações para o futuro.
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